Tuesday 17 January 2012

A Trilogia da Vingança de Park Chan-wook

No ano em que se assinala uma década da estreia do primeiro filme de uma das Trilogias mais marcantes do cinema (e também uma das mais premiadas!), recupero um dos artigos que mais gozo me deu escrever...

Sympathy for Mr Vengeance - 2002



Bem-vindos à vida de Ryu (Sin Ha-gyoon – Thirst, No Mercy for the Rude), um jovem surdo, e a sua irmã, que precisa urgentemente de um rim. O patrão de Ryu, Park (Song Kang-ho – The Host, Thirst), acaba de o despedir e ele não consegue pagar a operação, por isso e juntamente com a namorada (Bae Doona – Air Doll, The Host), criam um plano para raptar a filha de Park. Mas as coisas correm horrivelmente mal, e a partir daí um ciclo imparável de morte e vingança começa....

Revenge Was Never This Sweet

O primeiro filme da Trilogia trata de Justiça. Ao longo do filme o espectador é incapaz de se desligar do sofrimento dos personagens principais: do pai desesperado por encontrar e punir os criminosos que lhe raptaram a filha e do irmão surdo despedido no preciso momento em que a irmã necessita de um transplante vital de um rim.

As interpretações geniais de Song Kang-ho e Sin Ha-gyoon (ao longo da carreira de Park, estes dois actores aparecem recorrentemente, sendo mesmo considerados “musas” para o trabalho do realizador, da mesma forma que Johnny Depp está para Tim Burton), são geniais e são sem dúvida o ponto mais alto de todo o filme, fazendo o espectador viver todo os percalços e sentir genuinamente a ambiguidade do argumento, ficando dividido entre as lutas dos dois protagonistas.

Se por um lado é injusto o despedimento de Ryu por Park, impedindo-o de pagar a operação da irmã, também é injusto o rapto da filha de Park.

Depois de ver este filme fica connosco uma incómoda pergunta: Até onde éramos capazes de ir por vingança, para vingar as pessoas que amámos?


Oldboy - 2003



Um homem vulgar é raptado e preso numa cela durante 15 anos sem qualquer explicação. Entretanto, é libertado, dão-lhe dinheiro, um telemóvel e roupas caras. Enquanto tenta encontrar uma explicação para o seu imprisionamento e conseguir a sua vingança, ele rapidamente descobre que o seu captor tem ainda planos para ele, mas esse último plano, será o culminar de 15 anos de sofrimento e não se pode voltar atrás.

15 years of imprisonment, five days of vengeance

Numa noite chuvosa, em que um homem alcoolizado (Choi Min-sik) é detido pela polícia por distúrbios, na noite a sua única filha faz anos, o seu melhor amigo paga-lhe a fiança e liberta-o. Mas durante uma chamada numa cabine telefónica, Oh Dae-Su desaparece sem deixar rasto...

Assim começa um dos filmes mais marcantes da década...

A partir do manga japonês homónimo – publicado de 1996 a 1998, em 8 volumes – veio a inspiração para a criação de toda a trama tecida em torno do personagem Oh Dae-su. Depois foi só juntar a prodigiosa mente de Park Chan-Wook, que neste segundo filme da Trilogia, não desilude e presenteia o espectador com cenas poderosas e marcantes, aliadas ao choque de vontades, moralidades e a sempre chocante capacidade e inclinação do ser humano em corromper, subverter e destruir tudo em seu redor.

Dos filmes que compõem a Trilogia da Vingança, “Old Boy” foi de longe o mais premiado, com prémios arrecadados um pouco por todo o mundo, sendo aclamado pela crítica como um dos melhores filmes dos últimos anos, mostrando o Homem tal como é, sem pretenciosismos, nem psicologia barata...


Sympathy for Lady Vengeance – 2005



Após uma pena de 13 anos pelo rapto e assassínio de um menino de 8 anos, a jovem Lee Guem-ja (Lee Young-ae – Joint Security Area, Fun Movie), procura vingança sobre o homem que realmente cometeu o crime pelo qual foi acusada. Com a ajuda das antigas companheiras de cela, Geum-ja procura redenção através da vingança. Mas será que vingança trás consigo a paz que Geum-ja tanto deseja?

Lee Geum-Ja, have mercy on us...

Este é o capítulo de encerramento da Trilogia da Vingança, e depois deste filme sentimos, claramente, o fechar de um ciclo.

Este filme trata de redenção, justiça e como chegar até elas...

A libertação de Lee Geum-Ja, dá início a um elaborado plano de vingança, contra o verdadeiro culpado do crime pelo qual foi condenada...

Uma vez mais, Park Chan-wook, presenteia-nos com uma história ambígua, neste filme ao contrário dos dois anteriores, o espectador não quer sequer imaginar estar em alguma das situações criadas por Park.

São situações de tal forma limite, situações que dilatam e deformam a escala de valores, que só mesmo quando confrontados com elas é que se seria capaz de entender a magnitude dos actos de vingança de Geum-Ja.

Neste filme, assistimos ao discreto regresso de alguns de alguns actores dos dois filmes anteriores (Song Kang-Ho, Choi Min-sik e Sin Ha-gyoon), em pequenos papéis secundários, ficando a sensação de continuidade e de fecho de um ciclo com gSympathy for Lady Vengeanceh.

Após a estreia estrondosa nos cinemas deste filme, Park Chan-Wook, editou uma nova versão que apenas foi exibida em alguns cinemas da Coreia do Sul, “Lady Vengeance – Fade to black and white version”. Tal como o nome indica, o filme começa em full technicolor e de forma gradual vai “perdendo” as cores, chegando ao final completamente a preto e branco.




A Trilogia da Vingança de Park faz parte da lista restrita dos filmes obrigatórios a ver, que retratam de forma inteligente, sem cair em pretenciosismos a verdadeira essência do que é ser Humano, do que somos capazes de fazer quando confrontados com situações limite, em que não podemos escapar, apoiados às falsas moralidades impostas pelas pseudo-sociedades humanas, que se esquecem que não somos criaturas lineares mas altamente complexas, que regra geral fogem à suposta “normalidade”.

Park Chan-wook é tão genuíno como o seu trabalho, e esta Trilogia é sem dúvida uma raridade, pois é bastante complicado ver coerência em trabalhos desta complexidade e filmados em alturas diferentes da vida das equipas envolvidas.

O mais curioso é mesmo, o facto que nenhum dos filmes que constituem a Trilogia de Park Chan-Wook, ter sido pensado e produzido como parte integrante de uma Trilogia, mas sim como produções independentes. Posteriormente, e rendendo-se à forma como o público se referia ao seu trabalho, Park adoptou essa classificação, tornando-a oficial. É um raro exemplo de uma Trilogia que não o era até tudo estar pronto e exibido, e que só depois aquando dos lançamentos em DVD de cada um dos filmes, é que os três apareceram oficialmente ligados...

Qualquer espectador mais atento consegue identificar facilmente o fio condutor destas três produções: a condição humana e a sua natureza intrínseca sempre como pano de fundo e o quão longe, mesmo o homem mais vulgar e desinteressante é capaz de ir para conseguir vingança e redenção. Temos também uma série de cameos (presenças não creditadas) de vários actores dos três filmes, em cada um dos outros, interligando profundamente e de forma indelével as três histórias.

Se me pedissem para descrever cada um dos filmes da Trilogia da Vingança de Park, usando apenas e somente uma palavra, sem sombra de qualquer dúvida que seriam: Justiça, Vingança e Redenção.

Para quem gosta de bom cinema, com argumentos originais e espantosas interpretações...


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