No ano em que se assinala uma década da estreia do primeiro filme de uma das Trilogias mais marcantes do cinema (e também uma das mais premiadas!), recupero um dos artigos que mais gozo me deu escrever...
Sympathy for Mr Vengeance - 2002
Bem-vindos à vida de Ryu
(Sin Ha-gyoon – Thirst, No Mercy for the Rude), um jovem surdo, e a
sua irmã, que precisa urgentemente de um rim. O patrão de Ryu, Park
(Song Kang-ho – The Host, Thirst), acaba de o despedir e ele não
consegue pagar a operação, por isso e juntamente com a namorada
(Bae Doona – Air Doll, The Host), criam um plano para raptar a
filha de Park. Mas as coisas correm horrivelmente mal, e a partir daí
um ciclo imparável de morte e vingança começa....
Revenge
Was Never This Sweet
O
primeiro filme da Trilogia trata de Justiça. Ao longo do filme o
espectador é incapaz de se desligar do sofrimento dos personagens
principais: do pai desesperado por encontrar e punir os criminosos
que lhe raptaram a filha e do irmão surdo despedido no preciso
momento em que a irmã necessita de um transplante vital de um rim.
As
interpretações geniais de Song Kang-ho e Sin Ha-gyoon (ao longo da
carreira de Park, estes dois actores aparecem recorrentemente, sendo
mesmo considerados “musas” para o trabalho do realizador, da
mesma forma que Johnny Depp está para Tim Burton), são geniais e
são sem dúvida o ponto mais alto de todo o filme, fazendo o
espectador viver todo os percalços e sentir genuinamente a
ambiguidade do argumento, ficando dividido entre as lutas dos dois
protagonistas.
Se
por um lado é injusto o despedimento de Ryu por Park, impedindo-o de
pagar a operação da irmã, também é injusto o rapto da filha de
Park.
Depois
de ver este filme fica connosco uma incómoda pergunta: Até onde éramos capazes de ir por vingança, para vingar as pessoas que
amámos?
Oldboy
- 2003
Um homem vulgar é raptado e
preso numa cela durante 15 anos sem qualquer explicação.
Entretanto, é libertado, dão-lhe dinheiro, um telemóvel e roupas
caras. Enquanto tenta encontrar uma explicação para o seu
imprisionamento e conseguir a sua vingança, ele rapidamente descobre
que o seu captor tem ainda planos para ele, mas esse último plano,
será o culminar de 15 anos de sofrimento e não se pode voltar
atrás.
15
years of imprisonment, five days of vengeance
Numa
noite chuvosa, em que um homem alcoolizado (Choi Min-sik) é detido
pela polícia por distúrbios, na noite a sua única filha faz anos,
o seu melhor amigo paga-lhe a fiança e liberta-o. Mas durante uma
chamada numa cabine telefónica, Oh Dae-Su desaparece sem deixar
rasto...
Assim
começa um dos filmes mais marcantes da década...
A
partir do manga japonês homónimo – publicado de 1996 a 1998, em 8
volumes – veio a inspiração para a criação de toda a trama
tecida em torno do personagem Oh Dae-su. Depois foi só juntar a
prodigiosa mente de Park Chan-Wook, que neste segundo filme da
Trilogia, não desilude e presenteia o espectador com cenas poderosas
e marcantes, aliadas ao choque de vontades, moralidades e a sempre
chocante capacidade e inclinação do ser humano em corromper,
subverter e destruir tudo em seu redor.
Dos
filmes que compõem a Trilogia da Vingança, “Old Boy” foi de
longe o mais premiado, com prémios arrecadados um pouco por todo o
mundo, sendo aclamado pela crítica como um dos melhores filmes dos
últimos anos, mostrando o Homem tal como é, sem pretenciosismos,
nem psicologia barata...
Sympathy
for Lady Vengeance – 2005
Após uma pena de 13 anos
pelo rapto e assassínio de um menino de 8 anos, a jovem Lee Guem-ja
(Lee Young-ae – Joint Security Area, Fun Movie), procura vingança
sobre o homem que realmente cometeu o crime pelo qual foi acusada.
Com a ajuda das antigas companheiras de cela, Geum-ja procura
redenção através da vingança. Mas será que vingança trás
consigo a paz que Geum-ja tanto deseja?
Lee
Geum-Ja, have mercy on us...
Este
é o capítulo de encerramento da Trilogia da Vingança, e depois
deste filme sentimos, claramente, o fechar de um ciclo.
Este
filme trata de redenção, justiça e como chegar até elas...
A
libertação de Lee Geum-Ja, dá início a um elaborado plano de
vingança, contra o verdadeiro culpado do crime pelo qual foi
condenada...
Uma
vez mais, Park Chan-wook, presenteia-nos com uma história ambígua,
neste filme ao contrário dos dois anteriores, o espectador não quer
sequer imaginar estar em alguma das situações criadas por Park.
São
situações de tal forma limite, situações que dilatam e deformam a
escala de valores, que só mesmo quando confrontados com elas é que
se seria capaz de entender a magnitude dos actos de vingança de
Geum-Ja.
Neste
filme, assistimos ao discreto regresso de alguns de alguns actores
dos dois filmes anteriores (Song Kang-Ho, Choi
Min-sik e Sin Ha-gyoon), em pequenos papéis secundários,
ficando a sensação de continuidade e de fecho de um ciclo com
gSympathy for Lady Vengeanceh.
Após
a estreia estrondosa nos cinemas deste filme, Park Chan-Wook, editou
uma nova versão que apenas foi exibida em alguns cinemas da Coreia
do Sul, “Lady Vengeance – Fade to black and white version”. Tal
como o nome indica, o filme começa em full technicolor e de
forma gradual vai “perdendo” as cores, chegando ao final
completamente a preto e branco.
A Trilogia da Vingança de Park faz parte da lista restrita dos filmes obrigatórios a ver, que retratam de forma inteligente, sem cair em pretenciosismos a verdadeira essência do que é ser Humano, do que somos capazes de fazer quando confrontados com situações limite, em que não podemos escapar, apoiados às falsas moralidades impostas pelas pseudo-sociedades humanas, que se esquecem que não somos criaturas lineares mas altamente complexas, que regra geral fogem à suposta “normalidade”.
Park
Chan-wook é tão genuíno como o seu trabalho, e esta Trilogia é
sem dúvida uma raridade, pois é bastante complicado ver coerência
em trabalhos desta complexidade e filmados em alturas diferentes da
vida das equipas envolvidas.
O
mais curioso é mesmo, o facto que nenhum dos filmes que constituem a
Trilogia de Park Chan-Wook, ter sido pensado e produzido como parte
integrante de uma Trilogia, mas sim como produções independentes.
Posteriormente, e rendendo-se à forma como o público se referia ao
seu trabalho, Park adoptou essa classificação, tornando-a oficial.
É um raro exemplo de uma Trilogia que não o era até tudo estar
pronto e exibido, e que só depois aquando dos lançamentos em DVD de
cada um dos filmes, é que os três apareceram oficialmente
ligados...
Qualquer
espectador mais atento consegue identificar facilmente o fio condutor
destas três produções: a condição humana e a sua natureza
intrínseca sempre como pano de fundo e o quão longe, mesmo o homem
mais vulgar e desinteressante é capaz de ir para conseguir vingança
e redenção. Temos também uma série de cameos (presenças não
creditadas) de vários actores dos três filmes, em cada um dos
outros, interligando profundamente e de forma indelével as três
histórias.
Se
me pedissem para descrever cada um dos filmes da Trilogia da Vingança
de Park, usando apenas e somente uma palavra, sem sombra de qualquer
dúvida que seriam: Justiça, Vingança e Redenção.
Para
quem gosta de bom cinema, com argumentos originais e espantosas
interpretações...
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